Transfus?o de sangue contra a vontade de paciente da religi?o testemunha de Jeov?…
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“O direito à vida não se resume ao viver…O Direito à vida diz respeito ao modo de viver, a dignidade do viver. Só mesmo a prepotência dos médicos e a insensibilidade dos juristas pode desprezar a vontade de um ser humano dirigida a seu próprio corpo. Sem considerar os aspectos morais, religiosos, psicológicos e, especialmente, filosóficos que tão grave questão encerra. A liberdade de alguém admitir, ou não, receber sangue, um tecido vivo, de outra (e desconhecida) pessoa.” (trecho do voto –vencido- do Desembargador Marcos Antônio Ibrahim no Agravo de Instrumento n.º 2004.002.13229, julgado em 05.10.2004 pela 18ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do RJ).
RESUMO:
A recusa dos pacientes da religião Testemunhas de Jeová em receber transfusões de sangue em situações de iminente risco de vida tem suscitado debates nos meios médicos e jurídicos. O presente artigo tem a pretensão de demonstrar que essa recusa tem apoio na Constituição Brasileira e também na legislação infraconstitucional.
Palavras-chave:
Transfusões de sangue. Liberdade religiosa. Testemunhas de Jeová. Princípios constitucionais. Direitos dos pacientes.
Sumário:
1. Introdução. 2. Os riscos das transfusões de sangue. 3. Alternativas médicas às transfusões de sangue. 4. Do direito à liberdade religiosa. 5. Da objeção de consciência e da não-privação de direitos por motivo de crenças religiosas. 6. Direito à privacidade. 7. Do princípio da legalidade. 8. Princípio da dignidade da pessoa humana. 9 . Do artigo 15 do Código Civil. 10. Do artigo 17 do Estatuto do Idoso. 11. Do artigo 10 da Lei de Transplantes. 12. Da inexistência da obrigação jurídica de viver. 13. A questão da recusa de menores a tratamentos com transfusões de sangue. 14. Princípios bioéticos da autonomia, da beneficência, do consentimento esclarecido e da justiça. 15. Precedentes jurisprudenciais de respeito à autonomia do paciente no exterior e no Brasil. 16. Lei islandesa sobre os direitos dos pacientes. 17. Direito dos pacientes a tratamentos alternativos às transfusões de sangue. 18. Da necessidade de mudanças nos currículos de ensino médico e jurídico. 19. Da responsabilidade civil e penal do médico. 20. Principais conclusões. 21. Resumen. 22. Referências.
1.- INTRODUÇÃO
Os seguidores da religião Testemunhas de Jeová, diante, basicamente, da interpretação que fazem das passagens bíblicas dos Livros de Gênesis, 9:3-4; Levítico, 17:10 e Atos 15:19-21, recusamse a se submeter a tratamentos médicos ou cirúrgicos que incluam transfusões de sangue. Na impossibilidade de se valerem de tratamentos alternativos (sem sangue), negamse a receber transfusões, mesmo que isso possa leválas à morte.
Esta postura das Testemunhas de Jeová periodicamente desperta a atenção dos meios de comunicação social, que, por ignorância ou máfé, acabam dando uma conotação de que os adeptos dessa religião são pessoas fanáticas e suicidas. Entretanto, nada poderia ser mais equivocado, pois elas apenas buscam tratamentos e alternativas médicas que reputam seguros (sem sangue) e aceitáveis sob o prisma de suas convicções religiosas.
É inegável que a postura firme das Testemunhas de Jeová em rechaçar as transfusões de sangue tem alavancado o progresso científico de descoberta e aprimoramento de tratamentos alternativos. Ademais, elas organizaram uma rede, de âmbito internacional, de Comissões de Ligações com Hospitais (COLIH), existentes em 230 países e territórios, que auxiliam na transferência de pacientes para hospitais ou equipes médicas que usam alternativas às transfusões de sangue. Também fazem trabalho de esclarecimento junto aos profissionais de saúde quanto a esses tratamentos alternativos, bem como em relação aos riscos das transfusões de sangue.
A recusa às transfusões de sangue possui importantes reflexos na esfera médica –acarretando dilemas éticos pois os médicos estão condicionados a enxergar a manutenção da vida biológica como o bem supremo– e no âmbito jurídico, no qual se debate se é direito do paciente recusar um tratamento médico por objeção de consciência quando este, aparentemente, é o único meio apto a lhe salvar a vida.
Felizmente, as comunidades médicas e jurídicas, ainda que de forma tímida, têm dado sinais de que tendem a reconhecer o direito do paciente rejeitar determinados tratamentos médicos, independentemente do risco que ele esteja correndo com essa recusa.
Temse a modesta pretensão de demonstrar que, frente às normas constitucionais que tutelam a liberdade de crença e de consciência, o direito à intimidade e à privacidade, os princípios da legalidade e da dignidade da pessoa humana, bem como em razão de dispositivos da legislação infraconstitucional – fatores aos quais se associa o risco inerente às contaminações nas transfusões – é absolutamente legítima a recusa das Testemunhas de Jeová em se submeter a tratamentos médi-cos/cirurgias que envolvam a administração de sangue e seus derivados, mesmo nos casos de iminente risco de vida.
Neste artigo, seguese a linha interpretativa de que, havendo recusa do paciente de receber transfusão de sangue em situações de iminente risco de vida não se configura a colisão de direitos fundamentais (direito à vida X direito de liberdade religiosa), mas, sim, concorrência de direitos fundamentais, pois a conduta sujeita-se ao regime de dois direitos fundamentais de um só e mesmo titular.
2.– OS RISCOS DAS TRANSFUSÕES DE SANGUE
Rejeitar transfusões de sangue tornase cada vez menos uma questão religiosa e mais uma questão médica. Atualmente, não é pouca a literatura médica a relatar que as transfusões de sangue envolvem inúmeros riscos, muitas vezes letais.
Os testes realizados pelos bancos de sangue não geram a segurança necessária quanto à pureza desse material biológico. Um Diretor da Cruz Vermelha Americana, tecendo considerações sobre os altos custos envolvidos em tais testes declarou que ‘Simplesmente não podemos continuar a adicionar teste após teste para cada agente infeccioso que poderia ser disseminado’.
O Dr. LUIZ GASTÃO ROSENFELD, hematologista, disse que apesar de toda a evolução tecnológica, diante dos conhecimentos atuais, as transfusões de sangue não eram totalmente seguras no que diz respeito à transmissão de moléstias infecciosas.
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